Mesa de Botequim
Um lugar onde se faz humor com mau humor. Se você levar a sério algo do que foi dito aqui, então tome outra dose e volte mais tarde.
quarta-feira, março 22, 2017
O amor custa caro
Essa é a história de um ex-casal (e vocês vão entender por que eles chegaram a este ponto) que aconteceu há muitos anos, numa galáxia distante.
A relação já não andava lá aquelas coisas. Mas tentavam, na medida do possível, tentar manter as coisas no lugar. Mas era óbvio que era um esforço vão. Eles jamais teriam dado certo por uma série de motivos. Mais de dez, na verdade. E um deles - embora não o mais importante, porém mais engraçado - era a doentia pãodurice do rapaz.
Eram um casal de classe média com todas as possibilidades de ter uma vida sem luxos, mas com conforto e alguns supérfluos aqui e acolá. Isso, é claro, numa situação normal. Mas qualquer programa social realizado pelo casal sempre acabava sendo extremamente broxante, porque era só os dois sentarem na mesa que o cara pegava o cardápio e:
- QUE ROUBO ELES COBRAREM X REAIS NUM PRATO DESSES. EU PREPARO UM EM CASA POR 2 REAIS.
Ou:
- QUE ROUBO COBRAREM 2 REAIS NUM PÃO DE QUEIJO. SE EU FIZER EM CASA, SAI 30 CENTAVOS A UNIDADE.
E depois os programas sociais foram sendo substituídos por sábados à noite em casa em companhia do DVD, acompanhado de idéias do tipo:
- DESCOBRI UMA PIZZARIA DELIVERY QUE COBRA SÓ 6 REAIS A DE MUSSARELA
Dá pra imaginar qual o segredo do preço da iguaria?
O rapaz morava sozinho num apartamento até razoável. A decoração, porém, era bem peculiar. O sofá foi a tia de um que deu. Era velho e um braço estava soltando. A geladeira era uma que estava encostada no quintal da avó. A mesa tinha 6 cadeiras diferentes, todas de doações familiares ou de amigos. O rapaz era humilde? Nãããão! Mas para quê gastar dinheiro? Montou-se um apartamento inteiro só com quinquilharias alheias.
Ah, sim e tinha o móvel da televisão, que estava praticamente desmoronando. Indagado sobre a possibilidade de comprar um novo, o rapaz respondeu algo do tipo: "Quando o Alemão (algum amigo de sei lá onde) for morar em Londres, ele me dará a mesinha dele."
O lar do rapaz também tinha várias peculiaridades. Tudo muito prático e resumido. Geladeira sempre tinha o básico do básico do básico. Tão básico que nem marca tinha. O guaraná era tipo Jesus-Me-Chama, o sabão em pó era marca Schlebts, o papel higiênico era pior que de banheiro de rodoviária, o sabonete era de uma marca desconhecida até pelo próprio fabricante e que cheirava a gordura de porco, o shampoo era 2 em 1 (porque economizava, é claro), a pasta de dente tinha gosto de pinho Sol... enfim, era uma reunião de tudo o que havia de mais vagabundo e barato.
Se montasse uma cesta básica com aquilo e desse para um mendigo, era capaz dele te arremessar tudo na cara e gritar que ele era mendigo, mas tinha dignidade, que onde já se viu...
Ah, mas se alguém OUSASSE dizer que aquelas coisas eram vagabundas...
O guaraná Sei Lá O Quê era "igualzinho ao Antártica"
O sabão em Pó Cazzo era "a mesma coisa que OMO"
O sabonete com cheiro de ônibus lotado era "igualzinho ao Dove/Lux"
Segundo ele, tudo o que as pessoas compravam de marcas boas era apenas "grife", a fabricação era a mesma. E se orgulhava, batia no peito ao dizer que o carrinho de compras das pessoas "normais" tinha um valor 150% superior ao dele, o mais barato, mais rampeiro, mais vagabundo, mais quinta categoria. Mas ele, muito esperto, não era enganado por "propagandas mentirosas" que o faziam gastar mais por produtos considerados "erroneamente" tops de linha.
Não parava por aí. Sabe aquele ser humano que corta o cabelo na primeira birosca em que ele encontrar uma placa na porta dizendo: "Corte por R$ 5". Se o barbeiro fosse Edward, Mãos de Tesoura, não importa. O babado era o preço. Afinal, corte de cabelo é tudo igual.
Enquanto estivesse se tratando apenas das coisas dele, ainda era o caso de se deixar pra lá. Mas pouco a pouco ele vou tentando avançar seus hábitos pra cima da moça.
- Por que você não aprende a fazer suas próprias unhas?
- Ahn?
- Quanto você paga para a manicure?
- Dez reais.
- Isso são 40 reais por mês e 480 reais por ano economizados.
- Ahn... não.
- Você não tem idéia do quanto se pode economizar cortando esses pequenos gastos supérfluos. Daqui a alguns anos fará uma diferença considerável.
- Não.
- Minha mãe faz as unhas próprias unhas dela.
Ela lembrou-se da sogra.
- Vou continuar gastando com a minha manicure.
Em seguida o rapaz tentou convencê-la a cortar a academia. A solução: correr na rua.
- Não.
- Você pode fazer ginástica com pesinhos em casa.
- Não.
- Como vocês gostam de despediçar dinheiro!
Um pouco antes dos dois se separarem e não se olharem mais na cara, a moça precisou de um pequeno empréstimo bancário. Coisa que seria liquidada em, no máximo, um mês. Mas ele sumariamente a proibiu de chegar perto do banco. Ele tinha dinheiro aplicado e poderia emprestá-lo, evitando as "escorchantes taxas bancárias". Ela tentou recusar de todas as formas, mas diante de tamanho drama, cedeu.
Quando saiu o dinheiro da quitação, veio pelas mãos dele. Assim, ele tirou a parte que lhe cabia e entregou a diferença para ela. Negócio encerrado? Aparentemente sim.
Mas isso foi até um pequeno bate boca poucos meses após a separação, quando ele resolveu fazer uma listinha "de todas as coisas que ele havia feito por ela e ela, a vadia, não reconhecia e ainda o tratava com indiferença". Entre os itens, havia este: EU NÃO COBREI O IOF DO EMPRÉSTIMO QUE EU FIZ PARA VOCÊ.
A intenção dele era mostrar a ingratidão dela. Mas o efeito não foi exatamente este. Por que? Ah, são os mistérios do amor. Mas este mistério certamente não serviria para um final de novela.
segunda-feira, março 13, 2017
Sobre Logan
Que fique claro: eu gostei de Logan. Logan é um bom filme. Ainda mais se comparar com o último, aquele que se passa no Japão, que faz qualquer um chorar no banheiro, em posição fetal, no escuro.
É o filme mais maravilhoso dos X-Men que já assisti? Hmmm... não!
A culpa é do filme? Não, é minha. Eu implico com algumas coisas. E como este blog está aqui pra isso, então vamos às implicâncias.
1) Eu tenho um problema sério, seríssimo, com gente que quer inventar filhinhos para heróis ou determinados tipos de protagonistas. Isso é a coisa mais babaca que existe. Heróis, sejam eles mutantes, ETs com super poderes ou milionários que inventam armaduras e saem por aí bancando os justiceiros não foram feitos para procriar, cacete.
Ainda mais se, como no caso de Logan, não foi uma mulher que ele engravidou, e sim uma pirralha criada em laboratório usando o material genético dele. E aí rola uma pãtcha de uma forçação de barra pra criar um vínculo afetivo entre os dois que puta que pariu, que saco! Um cara como Logan, que já está velho, com o corpo todo cagado, cheio de dores, saco na lua, não tem mais paciência pra nada, e de repente aparece uma pirralha soltando garrinhas de adamantium.... daí ele derrete, que coisa mais rasa, bleargh!
Com todo o respeito, mas "papai" é a puta que pariu!
2) o lance de Wolverine ir parar numa fazenda, ser recebido com muito carinho pelos anfitriões, daí chegarem os agentes do governo e matarem todo mundo já tinha sido usado, né?
3) certo, ele precisa salvar as criancinhas mutantes enviando-as para o Canadá. Afinal de contas, o Canadá recebe qualquer um em perigo, mesmo que sejam crias de laboratório geneticamente modificadas e treinadas para matar. E ainda por cima com poderes mutantes pra isso.
"Ai, nossa, Red, não é assim". Claro que é. O filme deixou isso bem claro. Não são crianças normais, pobrezinhas, que não tiveram amor de papai e mamãe, mas que podem ser recuperadas com abraço e oficina de berimbau. São pequenas armas letais, porra.
É porque decidiram humanizar a Wolverine Júnior. Tecnicamente ela é a mesma coisa que o "irmão" mais velho, o clone do Wolverine, aquele sem o menor pudor, moral ou sentimentos, que chega passando a lâmina em geral. Exatamente a mesma coisa. Ambos nasceram de um projeto genético e foram criados e treinados no laboratório e nada mais.
Mas a pirralha não, a pirralha tem sentimentos e faz mimimi porque quer o amor de papai. A pirralha é uma criancinha fofa. Ela só trucida quem é malvado.
Daí é batata, né?
Não sei por que o tal clone não chegou correndo pra cima do Logan, começou a chorar e a gritar "PAPAAAAAAAIIIIIIII". Oras, bolas!
4) pra mim, tinha mais é que matar aquela pirralhada mesmo, eram uma ameaça à Humanidade. Não eram sequer mutantes naturais, eram mutantes transgênicos, afff, que coisa apelativa! Mas enfim, no filme era só enviá-los para o Canadá e pronto. Passou da fronteira, o exército não iria mais atrás deles para exterminá-los. Ah, tem algumas dezenas de crianças assassinas com super poderes andando por aí, mas não podemos fazer mais nada porque eles passaram a fronteira!
5) na pior das hipóteses, imaginem: a pirralhada escapa e vai viver no Canadá. Chega lá, elas entram em programas de refugiados, são adotadas por coletivos de minorias, viram militantes insuportáveis, e decidem tratar todos aqueles que discordam dos discursos vitimistas com raios desintegradores.
Ou são adotadas por famílias que pensam que elas são criancinhas fofas, como vocês imaginaram, e daí elas se emputecem porque o mingau está frio e matam a família toda.
Ou decidem destruir a Humanidade, porque sim.
Imaginem, são apenas criancinhas fofas.
Mas a merda mesmo, mesmo, é que não vai mais ter filme do Wolverine.
quarta-feira, fevereiro 22, 2017
Conexão - parte 2
Totalmente sozinha na casa dos anfitriões do AirBnb, deixei minhas coisas no quarto, conectei o wi fi, relaxei um pouco e pensei: hum, acho que vou ao toilete.
Cheguei no local e quase dei um grito: tinha um menir de adamantium dentro do vaso sanitário, o que impossibilitava o uso. Tentei mandá-lo embora, mas olha, acho que o dono da casa saiu com pressa porque foi ao hospital visitar o familiar que teve todas as suas vísceras arrebentadas ao expelir aquele menir. Ele precisava se despedir do parente antes que o mesmo morresse de hemorragia.
Saí correndo daquele banheiro e quase me tranquei no quarto com medo daquele menir criar vida e sair andando pela casa em busca de pessoas para matar.
Infernos, o que me restava da vida?
Ah, já sei... vamos localizar um Starbucks próximo.
Chamei o Uber. O carro chegou e, ao sair, fiquei procurando a chave da porta para trancá-la e... surpresa! Não só a porta não tinha chave como a bagaça estava quebrada e a porra ficava aberta, mesmo. Na hora pensei: "Aiin, minhas coisas, vai entrar alguém e levar minhas coisas". Daí parei de brasileirice e lá fui eu para o Starbucks para tomar café da manhã e fazer uso do WC e do wi fi.
Deu certo.
Foi então que eu tive a ideia incrível de andar até a Walgreens bem ali do lado. Apesar do frio de rachar osso, não estava nevando. Fazia um lindo dia de sol e o chão estava limpo.
Até a página 2, é claro.
Caminhava eu feliz da vida até a Walgreens quando passei por um mísero pedaço de gelo no chão. Uma coisa microscópica, mas suficiente para me provocar um dos maiores tombos que já levei na vida. Fiquei praticamente paralela ao chão e me estabaquei. Como nos desenhos animados, vem o personagem e escorrega na casca de banana. Era eu.
Levantei bem rápido, roxa de vergonha, embora não tivesse ninguém na rua. Dolorida até o rabo, fui até a tal farmácia e gastei um bom tempo olhando produtos baratos que no Brasil custam um rim. E lamentando não poder levar tudo, porque os putos não deixariam embarcar todos os shampoos, condicionadores e máscaras da Aussie na mala de mão.
Então decidi voltar a pé pra casa, eram apenas 5 km e o google maps funciona mesmo sem 4g. Ele foi me indicando o caminho e eu andei, mesmo no frio, fotografando tudo o que via pela frente. Acreditem, eu me acostumei ao frio e não me incomodei com 13 graus negativos e eu de moletom.
Cheguei em SP toda dolorida, mas achei que tudo bem.
No dia seguinte meu braço estava inchado, fui parar no hospital e a brincadeira me custou uma semana de gesso neste calor infernal.
Fim.
Conexão - parte 1
Estou há mais de um mês pra contar esse causo, é foda.
Em janeiro eu tive que fazer uma conexão em Chicago, vindo de Toronto e rumo a São Paulo. Uma conexão de, vejam que delícia, 12 horas. Até mais: chegaria na cidade às 8h da manhã e meu vôo pra casa era só às 21h45.
Muitos me recomendaram aproveitar o dia e fazer um tour pela cidade. Mas eu tinha dois problemas: a) não tinha um centavo no bolso; e b) estava fazendo mais de 10 graus negativos e eu não tinha os casacos adequados. Os que eu tinha não suportavam tanto frio.
Daí uma amiga sugeriu alugar um quarto via AirBnb e eu achei o máximo. Localizei algo bem próximo ao aeroporto (tipo 15 minutos de carro) e bem fácil de pagar. Reservei e pronto. Iria dormir, usar internet, ver Netflix e afins.
Desembarquei em Chicago e peguei um Uber com minha bolsa e uma mala de mão. Estava apenas com uma blusa térmica, uma camiseta de manga comprida e um moletom. Só de sair do aeroporto para a área dos táxis me deu a sensação de que eu iria morrer de frio. Do tipo congelar e virar uma estátua.
Uber me levou até a casa indicada. E na hora eu percebi que havia sido levemente enganada. Na foto do AirBnb, parecia que era a casa bonitinha e arrumadinha. Na verdade, era a casa meio caindo aos pedaços bem do lado esquerdo. Mas beleza, when in Rome, etc.
Desci do carro, subi a escadinha e encontrei a porta. Toquei a campainha. Nada.
Toquei de novo. Nada.
De novo. Mais nada.
Repeti a operação umas 15 vezes e nada.
Aaaaaaaaaaaaaaah, mas puta que pariu!
"Merda, vou voltar para o aeroporto e ficar lá estourando sorvete na testa", pensei.
Apenas um problema: eu não tinha internet 4G para chamar Uber.
Eu estava no meio do subúrbio em Chicago, totalmente residencial, sem uma alma viva passando na rua. Não tinha um café, um restaurante, NADA para eu usar o wi fi. Não tinha táxis passando para eu acenar. Eu não tinha para onde ir, não tinha onde ficar e estava quase tendo um treco de frio.
Fodeu. Fodeu dez vezes.
Bom, peguei minha malinha de mão e fui andar pela rua. Ia tentar chegar em alguma avenida ou algo do tipo, e ver se ao menos conseguia um táxi. Era certo que eu morreria antes de hipotermia, mas morreria lutando.
Quando eu estava quase na esquina, ouvi um "HEEEEEEEEEEEEEEEEY".
Virei-me e lá estava o dono da casa acenando pra mim. Voltei correndo, agradecendo aos céus, pois não morreria na rua. O que seria chique, imagine, se é pra morrer na merda, ao menos que seja em Chicago.
- Ai, desculpe, eu estava tomando banho, não ouvi a campainha.
- Ah, eu já estava indo embora, tinha desistido. Achei que não tinha ninguém em casa.
- Desistido por que? Era só entrar.
- Mas como eu iria entrar se não tinha ninguém?
- Ué, abrindo a porta e entrando.
- Mas...
Fiquei com aquela expressão de "???" e ele me olhando como se estivesse dizendo a coisa mais natural do mundo. Então ele mostrou:
- Veja, a porta estava aberta. Era só abrir e entrar.
Um-estranho-entrando-na-sua-casa-do-nada-a-partir-da-porta-destrancada.
- Mas... mas... mas...
- Qual o problema? Não entendi.
E a vontade de berrar: "COMO ASSIM VOCÊ DEIXA A PORTA DA SUA CASA DESTRANCADA PARA QUALQUER UM ENTRAR, SEU LOUCO SEM NOÇÃO?"?
Pra ele, era totalmente natural uma pessoa entrar na casa dele do nada. Afff, Chicago é uma cidade perigosa. E então eu me dei conta: perigosa para os padrões americanos. Pra brasileiro, aquilo era o oásis da segurança. A porta ficava aberta sim, e se reclamar vai ter duas portas abertas.
Entrei, ele me indicou o quarto onde eu ficaria, disse que estava com muita pressa e saiu. Antes, disse que eu poderia pegar qualquer coisa da geladeira, que ficasse à vontade, beijo, fui.
E aí vem a parte marlinda.
terça-feira, outubro 25, 2016
Educação infantil
Cenário: Escola imaginária ocupada. Entre os 34 figurões barbados, piolhentos e que nunca trabalharam na vida estão cinco adolescentes, os únicos que estudam (mais ou menos) no lugar. Um deles é meu filho.
- Para, mãe!
- O que foi, filho?
- Sai daqui.
- Mas por que?
- Você está me matando de vergonha.
Eu abro uma lata de refrigerante.
- Oras, Júnior, mas por que?
- Mãe, olha como você está vestida, mãe.
- Ué, uma roupa normal.
- Não é, mãe, você tá com camiseta do Milton Friedman.
- E daí?
- Um reaça, mãe, o povo aqui vai te bater.
- Relaxa, Junior, seus amigos revolucionários de 40 anos aqui nunca leram nada na vida, nem vão reconhecer.
- Mãe, vai embora.
- Não vejo motivos pra ir embora.
Um gole refrescante.
- Quer, filho? Você parece que está suando frio. Toma aqui um gole de Coca.
- Pare de se comportar como se estivesse numa festa, mãe.
- E isso aqui é o que?
- Uma revolução, mãe!
- Ah...
Trinta segundos depois.
- Meus amigos não gostam de você, mãe.
- Não vejo motivo para tanta antipatia.
- Porra, mãe, um deles só te pediu um isqueiro pra acender o beck.
- Ah, mas eu não tinha isqueiro.
- Você jogou Baygon na cara dele, mãe!
- Prevenção, filho, rapaz cheio de piolho! Você passou repelente, falando nisso?
- Ai, mãe, para!
- Júnior, você já me deu muito trabalho na infância com as suas dermatites. Gastei um dinheirão em tratamento e já imaginou se você pega sarna?
- Mãe, eu...
Chega um barbudo ativista cheirando a pinga vagabunda.
- Aqui só podem ficar os estudantes, dona.
- Sei. E você é...?
- Não posso revelar meu nome. Mas pode me chamar de Peidão.
- Você é estudante, Peidão? Tô vendo umas rugas na sua testa, parece até que você tem a minha idade...
- Eu sou estudante, dona.
- Sei. E seu pai sabe que você está aqui, Peidão?
- Meu pai foi embora. Saiu pra comprar cigarros e não voltou.
- Ah, tá.
- Dona, a senhora não pode ficar aqui.
- Tem uma centopéia subindo na sua barba, Peidão.
Mais um gole no refrigerante.
- Eu trouxe seu jantar, Júnior.
- Você não trouxe jantar nenhum, mãe, você espalhou alfafa no chão!
- Trouxe pra você e pros seus amigos.
- Vai embora, mãe! Você está sendo ridícula.
Outro gole.
- Júnior, babado é o seguinte...
- Vai embora, mãe.
- Vamos pra casa e chega desse papo.
- Mãe, você está me envergonhando.
- Chega, Júnior, vai começar minha novela e eu ainda tenho que tomar banho e tomar vermífugo, porque esse lugar tá cheio de parasitas.
- Eu não vou, mãe. Eu vou ficar. Eu vou lutar contra a PEC 241, contra a reforma do ensino médio, vou exigir Fora Temer, vou apoiar a democracia na Venezuela.
- Ah, é?
- Vou mudar o mundo, mãe. Você não entende isso.
- Mudar o mundo...
- Vou. Meus professores me mostraram a verdade. Me ensinaram a ter pensamento crítico. A combater o sistema. Estamos estudando Marx.
- O Richard?
- QUE RICHARD, MÃE!
- Aquele que canta "Ueréver iúgou... uóréver iúdú"
- Ele não é cantor, mãe. É o KARL MARX.
- O Richard Marx é muito mais legal.
- Mãe, o Marx me abriu os olhos.
- Abriu, é?
- Vamos combater o capitalismo.
- Tá certo.
- Marx é baile de favela.
- Entendi.
- Eu vejo o mundo com outros olhos graças ao meu professor de História.
Último gole.
- Então, Júnior, deixa eu falar...
- Vai embora, mãe. Tá todo mundo me olhando.
- Se você não for pra casa AGORA, você vai parar de enxergar o mundo com outros olhos porque eu vou deixar os dois inchados e roxos.
- Mãe, fala baixo!
- Você vai ficar sem mesada. Você vai fazer trabalhos braçais pesados todos os dias lá em casa, vai passar fome e vai apanhar toda vez que disser algo que desagradar a mim ou ao seu pai.
- MÃE!
- Vai ficar sem celular, sem guitarra, sem x-box, sem internet.
- Mas de onde você tirou tanta violência sem motivo?
- De onde eu tirei? Do socialismo, meu neném! Vem, vou te mostrar a vida na goulag!
- MÃE, LARGA MINHA ORELHA! AI, MÃE! TÁ DOENDO!
- Se gritar, vai apanhar mais!
- AI, MÃE!
- Se continuar gritando, vou te arrastar pelo saco até em casa!
- MÃE, VOCÊ TÁ ME MACHUCANDO!
- Viva la revolución!!
Peidão tenta intervir. Eu puxo do bolso uma carteira de trabalho e ergo como se fosse uma cruz para assustar o vampiro. É mais eficiente que o Olho de Thundera. Peidão grita fino e corre pra um canto qualquer. Os demais manifestantes se desesperam e começa um estouro da boiada para o fundo da escola. Ficamos apenas eu e Júnior, que não para de chorar.
Júnior vai arrastado pela orelha até o carro.
- Você vai ver, mãe, eu vou fugir pra um acampamento do MST.
Junior ficou de castigo.
Após quinze dias de tratamento socialista, ele arrumou um emprego.
Formou-se com méritos.
Trabalha incansavelmente.
Mora na Austrália.
Fim.
quinta-feira, outubro 06, 2016
Receita médica pra ficar louca
Não sei se todos irão entender meu estado de espírito naquele momento, mas vou tentar.
A farmácia aqui do lado de casa é simplesmente enfeitiçada. Pelo menos em 80% das vezes em que vou lá, não consigo sair com o medicamento pelos motivos mais cretinos.
Tudo isso porque mudanças na lei criaram obrigatoriedade de receita médica para alguns medicamentos, como antibióticos, e reforçaram as exigências para vender antidepressivos e medicamentos especiais.
Seria lindo. Mas não é.
Eu entro na porra da farmácia e sempre ouço coisas como:
1) "Não posso te vender porque ele pediu Schlebtex 500 mg e a caixa é de 550 mg."
2) "Não posso te vender porque ele pediu Schlebtex 500 mg e a caixa de 500 mg não vende mais. Só a de 250 mg."
- Então me vende duas caixas de 250 mg.
- Aaaaah, não posso"
3) "Não posso te vender o Schlebtex porque um das 500 vias da receita veio com um erro na vírgula."
4) "Não posso te vender o Schlebtex porque a receita venceu. Ela só vale 7 dias."
- Mas a receita é do dia 1 e hoje é dia 7.
- Não, é dia 8. É meia noite e vinte.
- Mas você não pode me vender por causa de VINTE minutos?
- Não.
Parte 2
Óbvio que eu sei que a culpa não é da farmácia e que eles só precisam se curvar às caralhices da fiscalização da Anvisa e afins. Mas porra, quem faz 500 exigências desse jeito, com tanta rigidez, sem abrir nenhuma exceção para casos óbvios, deveria imaginar que você não sai da farmácia, vai ali na padaria da esquina e pega outra receita.
Supondo que você não está em horário comercial, só vai conseguir a receita encarando horas de um pronto-socorro. Daí você aguenta horas daquela chatice, consegue a receita, chega na farmácia e tem um erro imbecil. O que te resta?
Voltar ao PS?
Sentar na calçada e chorar?
Parte 3
Mas hoje, amigos, hoje foi surreal.
Foi algo indescritível.
Por sorte eu consegui uma receita de antibiótico com um médico gentil porque estava urrando de dor por causa de uma infecção no dedão do pé. Fui buscar saindo do trabalho. Peguei um trânsito MISERÁVEL. Estava de carona com meu pai e ele passou 80% do tempo reclamando do trânsito que ele estava enfrentando por minha causa. Que ele estava atrasado e eu estava deixando ele louco.
"Tudo culpa sua. Culpa dessas coisas que você inventa".
"Mas pai, não tinha outro jeito."
"Ter que vir até aqui por causa de machucado no dedão do pé é foda."
"Mas pai, tá cheio de pus."
"Ah, passa Merthiolate. Na minha época eu me machucava e passava Merthiolate. Olha aí, estou atrasado!"
"Mas tem pus, pai"
"Estoura o pus, limpa e pronto".
Fim de papo.
Parte 4
Chegamos na farmácia. Aquela. A enfeitiçada.
A coisa já começou estragada porque só tinha uma mulher atendendo e ela estava cuidando de uma gorda que estava folheando uma revista, escolhendo algum produto que ela retiraria pelos pontos somados no cartão fidelidade. Ela olhava uma página, virava outra, falava "ai, não sei", voltava pro começo, suspirava.
E eu lá, quase tendo um treco, e meu pai bufando dentro do carro.
A gorda olhava: "O que vc acha desse?", "Ah, aquele outro pode ser melhor", "Quer dizer..."
O creme de mãos? O desodorante? A pinça de sobrancelha? Oh, dúvida cruel!
E eu à beira de explodir uma artéria de nervoso.
Depois de olhar, olhar, olhar de novo, ela vira pra mulher e diz: "Meh, depois eu vejo".
E sai.
Juro que eu quase botei o pé pra ela tropeçar. Que ódio!
Parte 5
Finalmente entreguei as receitas pra mulher.
Ela olha os papéis, consulta sei lá que raios no computador e começa a fazer careta. Comecei a sentir minhas tripas dando um nó.
"Ai, meldels, lá vem merda, meu Jesus!"
Não deu outra.
- Então, não posso te vender o remédio...
Eu prendi a respiração, porque se eu soltasse eu começaria a dar um chilique na farmácia, me jogar no chão, gritar, derrubar todas as coisas das gôndolas...
- Sabe por que? Porque aqui diz pra você tomar um comprimido de Schlebtex a cada 6 horas. Só que o Schlebtex não é comprimido, são DRÁGEAS!
- Mas... mas... mas...
- Eu não posso vender porque o médico mandou tomar comprimido, não drágeas, e...
E eu pensando: "Querida, meu médico mandou é você tomar no cu, mas deixa pra lá!"
Confesso que senti dores nos rins de tanto ódio. Eu já estava à beira de um chilique monstro - eram 21h e eu não ia achar outro médico que me conseguisse receita e eu não queria ficar cinco horas na porra do pronto-socorro - quando ela saiu com essa:
- A versão Z do genérico do genérico do similar tem em comprimido. Pode ser esse?
Bem, eu tinha outra opção? Tinha. Sacar uma arma e metralhar todo mundo. Mas meu pai iria ficar bem bravo se eu atrasasse o véio ainda mais porque fui presa.
- Me dá esse, pelo amor de Deus!
Ela vai na estante. Ela pega uma caixa. Ela devolve. Ela olha outra. Ela pesquisa entre duas caixas. E comecei a entrar em falência múltipla de órgãos de nervoso.
Daí ela pega quatro caixas e volta.
- Aqui, ó. Esses são comprimidos, tá vendo? Foi isso o que o médico te passou.
E eu com aquela expressão de FODA-SE OS COMPRIMIDOS, AS DRÁGEAS, OS SUPOSITÓRIOS, OS XAROPES, MEUS CARALHOS!
Ela pega as quatro caixas, coloca numa sacola e diz:
- Vou passar pra supervisora, para ela conferir que são comprimidos mesmo e liberar o seu produto.
A merda é que eu não tinha outra receita, senão eu gritaria: ME VÊ UM BARRIL DE RIVOTRIL, SENÃO EU VOU QUEBRAR A SUA CARA, A DA SUPERVISORA, A DO DONO DA FARMÁCIA E DE QUEM ESTIVER PASSANDO NA RUA!
A supervisora estava pegando 634530 medicamentos para um senhor idoso e ia demorar para verificar que eram comprimidos mesmo, e não drágeas. Porque né? Vai que confunde...
Para não começar a chorar, eu saí dali e fiquei vendo produtos de beleza. Quase abri um batom e comecei a rasbicar as paredes, dando gargalhadas histéricas.
Séculos depois, ela liberou. Afinal, eram comprimidos mesmo, vejam só vocês!
Morri com 150 temers.
E agora estou me controlando pra não tomar todos os COMPRIMIDOS DE UMA VEZ, ter uma overdose, e deixar um bilhetinho de despedida: "Fodam-se as drágeas!"
Fim.
quarta-feira, maio 11, 2016
Brincadeirinha, miga!
Tem uma coisa que eu acho bem engraçada no transporte público: a facilidade com que o populacho abre todas as suas intimidades em conversas telefônicas no metrô/ônibus, como se estivessem na privacidade do lar. O pessoal fala mal da família, conta casos constrangedores, bate boca, é lindo. E quem ouve fica com aquela cara de paisagem, de quem não está prestando atenção, mas é tudo mentira.
Ontem foi um cara que estava falando tão alto que eu, lá no primeiro banco, estava ouvindo tudo, e ele estava na parte de trás de um ônibus bi articulado. Não ouvi muita coisa, porque tive que descer no meio do bate boca, mas vou resumir aqui a parte mais legal:
- Olha, fofa, você para com essas brincadeirinhas idiotas, que você sabe que eu não gosto. Vou começar a fazer essas gracinhas com você também, que tal? Posso fazer piada com o fato de você ser corna? Não gosta, né? Ééé, então você sabe como me sinto. Então toda vez que você encher meu saco com essa história eu vou soltar uma piadinha de cornice, tá bom?
Dez segundos de silêncio e...
- Ah, agora você entendeu.
E eu desci no ponto.
quarta-feira, abril 13, 2016
Mamãezinha querida
Tarra aqui di boinhas vendo Polícia 24h, né?
Daí chamaram a PM porque uma mamãe muito amorosa deixou o filho trancado pra fora de casa há horas, e o menino está com fome e sem ter pra onde ir, parado no portão.
A vizinhança diz que o menino apanha sempre, da hora que acorda até a hora que vai dormir.
O policial chama a mulher, que diz que o moleque é que não quer entrar. Mas, sem querer, admite que deixou ele pra fora porque ela deixou a casa pra ele limpar e ele foi jogar bola.
Daí fala mal da criança como se ela fosse responsável por todas as desgraças do universo. E em seguida diz que não queria ter filho justamente pra evitar tanta dor de cabeça, mas daí teve e olha o resultado, um moleque que não limpa a casa.
O policial ameaça: "Se você encostar a mão nessa criança, nós vamos voltar aqui e a senhora vai presa".
Ela: "HOJE ele não apanhou. Mas tem dia que enche o saco"
Policial: "Espancar não é educar, senhora. Se não, vamos ter que levar a senhora presa"
Ela: "Por mim, tudo bem, na prisão eu vou ter sossego desse moleque"
Policial: "Se é assim, melhor levar o menino pro Conselho Tutelar agora"
Ela: "Por mim, tudo bem. Pode levar."
Olha, ainda bem que não sou eu no lugar do PM. Porque se fosse eu pediria pra desligar a câmera e esfregaria a cara dessa maldita no muro chapiscado.
Eu tive vontade de ser a Samara ao contrário. Entrar na TV e socar a mamãezinha maldita.
"Ai, Red, violência não resolve nada"
Foda-se.
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